quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Voces não aprendem mesmo....


Brendan Gleese, como Churchill: sua versão é bastante idealizada e atraente




Há uns anos atrás, eu ainda estava em Brasília, quando perguntado sobre quem considerava fosse o maior estadista do século XX, não hesitei um minuto: Winston Spencer Churchill.

Quase fui massacrado. Churchill um conservador. Um defensor do estado mínimo. Um sujeito intolerante e intolerável. Estava perdido na história da II Guerra Mundial.

Nada, entretanto, abalava a minha convicção. Tinha lido um pequeno livro que eu comprei num sebo com todos os discursos dele no período da guerra, lido um par de livros que ele mesmo escreveu, incluindo sua auto-biografia. Ninguém que se expressasse daquele jeito ou escrevesse daquela maneira poderia ser menos que um gênio total. Inigualável.

Mas, os cães passam e a caravana ladra, ou seria o contrário¿ A Inglaterra por alguma razão, melhor, a história da Inglaterra virou a cereja do bolo. Tudo começou com dois baita filmes: A Rainha, onde Helen Mirren, sempre ela, maravilhosa e perfeita, faz uma Elizabeth II espetacular. E o Discurso do Rei, em que Colin Fith faz um Jorge VI (pai de Elizabeth e Margareth) espetacular – isso sem falar em Geoffrey Rush, que faz o terapeuta australiano que tratou da gagueira real.

Ai, de repente, nada menos do que cinco filmes sobre sir Winston. A saber:
·       
The Gathering Storm – com Albert Finney
·        Into The Storm – com Brendan Gleese
·        Chuchill’s Secret --  com Michel Gambon
·        Churchilll – com Brian Cox
·        Darkest Hour – com Gary Oldman

Ainda teve John Littgow na primeira temporada da série The Crown. Aliás, quem viu a série deve se lembrar, o episódio do Fog foi espetacular.

Todos os cinco, ou seis atores, foram muito bem ao incorporar o bull-dog inglês. O de Albert Finney parece profético. O de Brendan Gleese é o mais idealizado. O de Michel Gambon o mais fragilizado. O de Brian Cox, o mais inseguro e assustado e o de Gary Oldman o mais seguro. A cena de sir Winston (verdadeira não foi inventada) no metro de Westminster a fazer consultas aos populares, sobre o que eles achavam de propor um acordo de paz para a Alemanha, é espetacular.

Acho que o roteirista de Churchill exagerou um pouco e fez um primeiro ministro excessivamente assustado com a Overlord. Nem Eisenhower estava tão seguro da invasão da Normandia. E de Gaulle foi totalmente contra.

O Churchill de Michel Gambon conta o episódio do AVC, que ele escondeu da rainha e da opinião pública. E o de Brendan Gleese é bastante idealizado e mostra um Churchill inseguro com o resultado das urnas que, afinal, iriam derrota-lo. Albert Finney mostra um político seguro do futuro que se desenhava na Alemanha de Hitler.

Para entender sir Winston é fundamental estudar um pouco o final da era vitoriana. Aliás, recomendo também as duas temporadas de Vitória-A vida de uma rainha, disponível no Now.


Faz falta no mundo um estadista como sir Winston Spencer Churchill. Em qualquer de suas facetas, com todos os estereótipos e geniosidade. Vou concluir com uma de minhas frases prediletas. Pressionado pelos conservadores, que preferiam um acordo de paz com a Alemanha de Hitler, ele saiu-se com essa: “Vocês não aprendem mesmo. Quantas vezes terei de dizer que não se deve dar abrigo a ditadores, por mais poderosos que sejam e por mais que nos ameacem¿”

quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

De joelhos, na Sé Lusitana


A Catedral da Sé na Alfama, em Lisboa: aqui começou a tragédia de 1755





Me correu mesmo um frio na espinha. Pois estava eu a conversar com o Todo Poderoso, de joelhos na Igreja da Sé, em Lisboa, quando me dei conta das sombras daquele templo do século XII. Foi ali que meia Lisboa estava reunida para celebrar a grande missa do Dia de Todos os Santos, as nove horas de 1º de novembro de 1755, na colina da Alfama, quando a natureza decidiu cobrar aos portugueses, sei lá, talvez a malvadeza da indústria da escravidão, que, apesar da tragédia, não cessou.

Há quem diga que o conde de Oeiras, promovido a marques de Pombal; Sebastião José de Carvalho e Melo, um burocrata medíocre que se transformou em genial, imaginava coroar sua epopeia de recuperação da então capital do império, com um golpe mortal nessa indústria tenebrosa. Mas, não há em toda obra pombalina qualquer gesto nesta direção. Ainda que dele tenha nascido o espírito libertário que animou os espíritos de Cláudio e Thomas, eles também omissos em relação a esta questão.

Ontem, passei pela Igreja da Estrela, onde está enterrada D.Maria I, rainha insana, que destruiu o pombalismo e foi mais do que cruel com os libertários das Gerais.

Portugal, este jardim plantado à beira do Atlântico, de onde as armas e os barões assinalados, vocês sabem, tem uma história de vilão a resgatar. Colonizador implacável, sugou enquanto pode as riquezas de suas colônias e não deixou nenhuma melhoria, que justificasse qualquer saudade. Premiou-nos com a mais dura Inquisição, com a escravidão de negros e índios, com a arrogância da fé cristã (como se fosse compatível).

Sebastião José de Carvalho e Melo talvez tenha sido o maior estadista português de todos os tempos. E ele viveu no século XVIII. É dele a brilhante resposta ao covarde D.José I, escondido em Belém embaixo da cama real, a tremer diante dos terremotos, dos incêndios e das inundações que se seguiram. O que fazer¿ Primeiro enterrar os mortos. Depois, alimentar os vivos.


Mas, estou aqui, de joelhos diante do Criador, na Sé Lusitana, ao lado do Tejo, o rio-mar, e pelo portal secular vejo o frisson turístico do que é hoje uma das mais atraentes cidades europeias. Sim, porque afinal, os portugueses aprenderam a receber. E estão se mostrando experts nisso. Que bom! Esta nova geração de patrícios talvez desconheça o que seus antepassados fizeram. 

terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Revellion na Alfama


Katia Guerreiro: personalidade própria para cantar o fado 





Viver a virada do ano na Alfama, no templo sagrado do fado, em Lisboa, foi uma destas experiências únicas, que eu confesso jamais ter vivido, embora tenha sido, no passado, um habitue do Beco do Espírito Santo. Pois, me caiu no colo, graças a meus amigos Juliana e José Luiz, a passagem para 2018 na Mesa dos Frades, cujas guloseimas não encantaram tanto o paladar, quanto os sons excitaram minha audição.

Não é que me aparece uma rapariga, lá com seus 40 anos, nascida de pais portugueses na África do Sul. Médica formada e especialista em olhos, com uma voz de meio-soprano rouca e potente. Não. Ela não tem nada de Amália ou de qualquer outra cantante. Ela tem luz própria e personalidade própria. Canta e encanta com o coração. Quem quiser pode pesquisar no Google, a gaja se chama Katia Guerreiro e é um potentado.

Mas, seria injusto da minha parte não falar dos meninos que a acompanham, Pedro de Castro e João Felipe. Ambos se saem muito bem com suas guitarras e seus violões. São músicos sérios e profissionais, que navegam com o dedilhado no meio das cordas e reproduzem a linguagem do pentagrama.


Que pena que a noite acabou. Ficamos eu e Rejane completamente perplexos com o espetáculo singelo e intimista que estas moças e rapazes nos brindaram. Em maio, estarão todos presentes para uma apresentação em São Paulo. Será ótimo revê-los.  

sábado, 14 de outubro de 2017

C H U R C H I L L

Churchill: em uma de suas maiores habilidades, como comunicador de rádio


As vezes a omissão de uma informação, ou a análise de um conceito, pode deformar de forma irremediável uma história. Fui ver ontem o filme Churchill de Jonathan Tepliak com roteiro de Alex Tunzelmann. Como ocorreu com Dunkirk, de Christopher Nolan, parece claro que os britânicos pretendem rever alguns episódios militares do século XX, pelo menos cinematograficamente, com a visão do retrovisor da História.

Em Churchill, Tunzelmann mostra a figura do mitológico primeiro ministro britânico como de um homem inseguro, autoritário, rude mesmo. Uma interpretação maiúscula de Brian Cox. Mas comete um pecado irremediável sob o ponto de vista histórico, mas tolerável sob o cinematográfico. Não é novidade para quem se aprofundou no estudo da personalidade de Winston Leonard Spencer Churchill (1874-1965) seus traços de autoritarismo e rudeza. O erro está em atribuir a sua insegurança com relação a Operação Overlord, ou a invasão da Europa, unicamente por conta das lembranças do desastre da batalha de Gallipoli, na Turquia, na Primeira Guerra, da qual o então First Sea Lord foi apontado como um dos responsáveis.

Tunzelmann dá de barato que todo mundo sabe o que ocorreu em Gallipoli. E para quem não é versado sobre as grandes batalhas da Primeira Guerra, fica tudo no ar. Com efeito, a arrogância britânica, associada a um sentimento de subestimação da resistência turca, lançou em 19 de fevereiro de 1915, uma ofensiva que pretendia tomar a Península de Dardanellos e assegurar um corredor marítimo até a Rússia, como forma de manter uma linha de abastecimento. Nada menos do que 480 mil soldados da Entente, a maioria formada por tropas australianas e newzelandesas, mais a marinha britânica, foram lançadas em uma operação suicida. O resultado final, quando a batalha terminou em 9 de janeiro de 1916, foi de 220 mil baixas, 43 mil mortos, dos quais 33.600 apenas entre as tropas da ANZAC ( australianos e newzelandeses). A passagem jamais deixou de estar sob controle dos turcos.

Churchill pagou muito caro por este desastre militar. Perdeu o cargo e foi condenado a um profundo ostracismo político. Mesmo na segunda metade da década de 30, quando ele já antevia a barbárie nazista, o fracasso de Gallipoli era frequentemente jogado na sua cara.
Natural, portanto, que as lembranças desta batalha lhe assomassem a mente, principalmente diante do que se imaginava fosse, e foi, a maior concentração de soldados e recursos da história militar: a invasão da Normandia.

Mas, o temor do fracasso não foi privilégio dele. O general americano Dwight Eisenhower, o supremo comandante aliado, e todo o seu estado-maior, o general De Gaulle e praticamente todos os militares que planejaram a Overlord,  passaram muito mal naquele início de junho de 1944.

Desde 1942, Stalin pressionava ingleses e americanos a estabelecerem um novo front no Oeste, que lhe desse algum desafogo, principalmente depois da heroica vitória dos russos em Stalingrado. As vitórias no Norte da África e a invasão da Itália não eram suficientes. Churchill e Roosevelt temiam que um novo front na França repetisse a carnificina da guerra de trincheiras e postergaram o quanto puderam. Mas, em 44, a invasão da França não só isolaria os alemães que resistiam na Itália, como poderia libertar Paris e colocar os soldados aliados praticamente nas margens do Reno. Passou a valer a pena o risco.

A Overlord concentrou 155 mil soldados (franceses, ingleses e canadenses), 14.200 barcos, 600 navios e milhares de aviões de transporte de tropas para atacar cinco praias (Omaha, Sword, Juno, Gold e Utah). Assim como parecia óbvia para os ingleses, também era óbvio para os alemães que mais dia, menos dia, sabiam que haveria uma invasão pela Normandia.

Churchill era contra. Temia a superioridade tecnológica alemã e a competência dos generais da Wehrmacht. Preferia manter a pressão no Norte da Itália e na Polônia. Naquele verão chuvoso de 44, as condições climáticas pareciam prenunciar o desastre. As águas do Canal da Mancha estavam revoltas, com ondas de até três metros de altura. O vento era inclemente e mudava de direção todo o tempo. Chovia muito e, quando não, descia um enorme nevoeiro.

Com este clima, os generais alemães estavam seguros que a invasão não se daria naqueles dias. Nem Eisenhower seria louco de lançar uma operação militar gigantesca naquelas condições. Subestimaram a capacidade britânica de prever o tempo.

Os oficiais meteorologistas da RAF encontraram uma brecha entre as 4 horas da manhã e a tarde do dia 6 de junho. Era aquele momento, ou então, somente em setembro. Eisenhower bastante inseguro, pediu ao seu imediato, o general Ben Bradley, que fizesse uma simulação de baixas.

Bradley, segundo alguns historiadores, pressionado pelo comandante britânico Bernard Montgomery, teria subestimado alguns fatores para apresentar um número perto de 60%. Ou seja, 93 mil soldados morreriam naquela invasão. Eisenhower considerou tolerável. Churchill foi à loucura. Dada a ordem da invasão, os dois se apavoraram.

Exceção ao desastre americano em Omaha, a invasão foi um sucesso. O número de baixas foi inferior a 10%, a maioria deles americanos e canadenses. A cabeça de ponte se consolidou, Paris foi libertada, e a guerra na Europa terminaria em maio do ano seguinte, dez meses mais tarde.

Animado pelo sucesso da Normandia, Churchill ainda autorizaria Montgomery a realizar a invasão da Holanda, Em 17 de setembro de 44. Um plano singelo, nascido na cabeça doente do marechal inglês, que imaginava uma invasão de paraquedistas ingleses, canadenses e americanos para dominar as pontes holandesas, enquanto tropas blindadas de infantaria se deslocariam até a cidade de Arnhem, ultrapassariam a ponte sobre o Reno, tomariam o Rur, o parque industrial alemão e forçariam um armistício.

Aqui sim, o desastre foi absoluto. A inteligência britânica desprezou a informação de que havia duas divisões panzers comandadas pelo notável general alemão Wilhelm Bittrich, em Arnhem, e nada menos do que 60 mil experientes soldados alemães, veteranos de batalhas, inclusive na frente oriental, que descansavam estrategicamente para enfrentar a invasão da Alemanha.

Foi uma carnificina com mais de 17 mil soldados aliados mortos ou desaparecidos, dos quais 13.226 eram britânicos. Muito mais do que na Normandia. Arnhem nunca caiu.

De volta ao filme, Tepliak tem o mérito de mostrar um Churchill bastante realista. Mas, reitero que não chega a ser novidade a sua insegurança, o seu temperamento forte, obstinado e autoritário. Também não chega a ser novidade as dificuldades de relacionamento que ele tinha com sua esposa, Clementine, magnificamente interpretada por Miranda Richardson. O casamento dos dois embora tenha durado mais de meio século, foi marcado por idas e vindas, um abalo terrível com a morte de uma de suas filhas e um affair seríssimo vivido por Clemie, ainda nos anos 30.


Churchill foi retratado direta ou indiretamente por mais de uma dezena de filmes. O de Tepliak, ainda que restrito a um período muito curto, os primeiros dias de junho de 44, tem o mérito de mostra-lo de forma muito próxima do que se imagina seja a realidade. Ninguém passa incólume por duas guerras mundiais, uma gigantesca depressão econômica, a guerra fria, o turbilhão de novidades da virada do século XIX para o século XX, o período pós vitoriano, a luta pela independência das colônias britânicas, tudo isso, apenas como um galã de cinema. Mesmo para seus críticos, é inegável que Winston Leonard Spencer Churchill é um dos mais importantes personagens do século XX. E isso não é pouco. O filme é obrigatório.      

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

A maior aventura humana









Yuri Gagarin no Túmulo de Lênin: ele ainda repousa na Praça Vermelha em Moscou
Minha filha Bianca é quem faz o diagnóstico mais fulminante: “Pai, diz ela, você é um romântico incorrigível”.

Acho que ela tem razão, sobretudo porque sou daqueles patetas que se emocionam com os feitos da humanidade, com a importância de eventos históricos e detesto aquela expressão “é, mas...”

Esta semana fiquei impressionado com um docudrama russo que capturei na Netflix: “Gagarin First in Space”. Produção de 2013, conta de forma muito criativa a espetacular corrida espacial soviética nos anos 50 e faz um perfil básico de três heróis: Yuri Alekseivitch Gagarin, Gherman Titov e Sergei Pavlovich Korolev.

O episódio mais marcante do filme é a reconstrução do pouso de Gagarin, no dia 12 de abril de 1961, em uma fazenda no Cazaquistão. Os engenheiros soviéticos erraram duas vezes a trajetória final e o primeiro cosmonauta da história, que se ejetou sete mil metros acima do solo, pousou de paraquedas em meio a uma plantação de girassóis, para terror dos camponeses.

“Não fujam” – dizia ele. “Sou soviético como vocês”.

Eu era um moleque metido uma barbaridade, mas me lembro até hoje do impacto de nomes como Vostok, Sputinik e os feitos impressionantes de Gagarin e de Gherman Titov, o segundo no espaço.

E, se há uma razão para explicar porque os soviéticos perderam a corrida para a Lua para os americanos, além da impressionante capacidade de investimento de Tio Sam, a morte prematura do engenheiro Sergei Pavlovich Korolev, em 14 de janeiro de 1966, aos 59 anos, pode explicar.

Korolev era o corpo e a alma do programa espacial soviético. No filme ele trava uma discussão com um marechal do exército vermelho, que se mostrava incomodado com o fato de Gagarin ser um filho de um marceneiro, ou carpinteiro, e de uma camponesa. De ter passado boa parte de sua infância em uma área ocupada pelos alemães na Segunda Guerra e de ter uma personalidade refratária a decisões imperativas.

É impressionante a resposta que ele dá: “Camarada, você não acha que já passou da hora de acabarmos com estas bobagens stalinistas¿”

Ucraniano como Sergei Nikita Kruschev, ele experimentou o cárcere nos anos 30, por seis anos, por razões inexplicáveis, como todas, de Stalin. Foi resgatado depois da morte do “Tovarich” e lhe foi confiada a missão quase impossível de colocar um satélite, um cão e um homem no espaço. Ele fez isso.

Confesso que fiquei emocionado com o relato do filme. Sobretudo a reação popular, o regime só divulgou a informação quando Gagarin já orbitava a terra. Melhor foi o diálogo entre dois manifestantes que caminhavam sem destino pelas ruas de Moscou:

“Para onde vamos¿” – perguntou a menina.

“Acompanhar o pouso do nosso cosmonauta” – respondeu o menino.

“Onde será¿”

“Na praça Vermelha, onde mais¿”


Com efeito, Yuri Alekseivitch Gagarin está mesmo repousando na praça Vermelha, no célebre túmulo de Lenin e dos grandes heróis soviéticos. Estranhamente ele foi vítima de um desastre de um MIG-15, no dia 27 de março de 1968. Até hoje as investigações sobre o acidente suscitam dúvidas. O que se diz é que o cosmonauta da paz ficou muito deprimido anos depois do vôo histórico e se tornou um problema para o regime. Mas, aí é o que eu chamo de “É.Mas...” Prefiro lembrar dele como o herói da humanidade, o destemido aviador, humilde e competente.

sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Os russos


Tenho a satisfação de apresentar para vocês uma crônica maravilhosamente escrita por meu amigo e irmão, Eduardo Carvalho, meu causídico para causas pernambucanas. Sport de coração, apaixonado pelas letras. Divirtam-se. 


Stalingrado inverno de 42: a guerra perdida retomada pelo Exército Vermelho






Eduardo Romero Marques de Carvalho


Rubem Braga coordenou a composição de um belo livro de contos russos traduzidos para o português. Vivia-se a 2ª Grande Guerra, e ele foi ao front. Foi ser correspondente.
A edição “de Ouro” é simples. Uma brochura simpática, baixinha e gordinha, com grandes almas e corações agasalhados em papel jornal. Dentre os tradutores: Machado de Assis, o próprio Braga, José Lins do Rego, Joel Silveira, Aníbal Machado, João Cabral, Vinicius.
Cada qual com a sua Lisavéta, de longos cabelos negros, e diadema, olhar de esperanças, e colo generoso, dançando folk em roda cigana, próximos à fogueira, no frio crepúsculo soviético. Amor, traição, sofrimento. Angústia, vilania, decepção. O devir apontando ao nada.
Passeia-se naquelas folhas, por sentimentos universais, jomardianamente (Ah!- tem-po- ra-is).
Quê tanto fizeram os russos? De onde vêm os seus pecados, em purgatórios sem fim? Lembrei-me do livrinho enquanto descia a Ladeira da Sé, acumulando saudades do Omalá, do Beco da Fome, Picanha do Rato... Tudo, muito calmo. Tudo, muito rápido. Tudo estranhamente calmo e rápido.
“TEMPO, TEMPO, TEMPO, TEMPO”.
E, lá está a Rússia. Agora, submetida a Putin, à sua democracia-czarista, seu parlamento comportado, a grande imprensa comprometida. “Tal e qual...” Etc. Tudo Isso me trouxe aos ouvidos o canto do assum preto, em sua cega viagem da agonia. O viver de lembranças embaçadas pelo crepúsculo que se adensa. Mais e mais fracionadas, dia a dia, no cansaço de resgatá-las do passado, fazê-las eterno. Presente, ante a absoluta escuridão do futuro. Até que o tudo venha revelar a Verdade do Oco de uma passagem sem valia, mesquinha e cretina. Tudo Isso vai selando a maçaranduba, e se esvaindo, enfim.
Já pelas bandas de cá, experimentamos inaudita sequência das Noites das Panelas Silenciosas, de teflon. Outrora, patrioticamente exasperadas, histriônicas. É, mais uma vez, o tal do Mi-a- mi, OH!!, not mi-a- mi?. Eis a questão!
De longe, ouço “Bope-bepob- bebop. Eu quero ver a confusão”. E recordo de um Ariano Suassuna, mudo e perplexo, porque “...não foi à Disney, não!”. Então...me volta a Razão, trazendo a razão dessas tão enviesadas linhas. No prefácio daquela coletânea, sabendo da Stalingrado destruída, certo de que invasão de Moscou se faria em questão de tempo,

Rubem Braga encerra o seu texto assim: “Quê salva a Rússia?”.

quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Cosanostra a Fiorentina



Os Medici: o poder da "gente nuova" e a oposição da aristocracia fiorentina


Depois de ver os oito capítulos da primeira temporada da série Medici-Masters of Florence, escrita por Franz Spotnitz e Nicholas Mayer, sai com a absoluta convicção que os autores beberam e beberam muito no clássico de Mário Puzo, O Poderoso Chefão. Alguém dirá que é isso mesmo. Que as diferenças entre Giovanni de Medici (interpretado por Dustin Hoffmann) e Vito Corleone estão relacionadas apenas ao tempo histórico e a forma. Mas, na essência são mesmo idênticas.

Aos fatos. Ao contrário de Veneza, Gênova e Milão onde a aristocracia jamais concedeu qualquer migalha de poder, em Florença, no início do século XIV, abriu-se às margens do Arno uma avenida de oportunidades para a chamada “gente nuova”.

Do que se trata¿ Gente que veio do Interior da Toscana e da Itália, de outros países da Europa, com algum capital e que foram atraídos pela possibilidade inimaginável de produzir e comercializar produtos agrícolas, vinho e azeite principalmente, e tecido.

Foi com uma tecelagem de algodão (italiano) e lã importada da Inglaterra, que Giovanni de Medici iniciou o seu império econômico. Ganhou tanto dinheiro que abriu um banco e aumentou seu poder quando conquistou a conta bancária da Igreja Católica, e passou a suportar todos os depósitos de dízimos e impostos amealhados dos estados papais de toda a Europa.

A série começa com o envenenamento de Giovanni (cicuta líquida aspergida em suas parreiras) e a assunção de Cosimo de Medici, seu primogênito. Um rapaz sonhador, que imaginava ser artista e que queria distância dos negócios do pai, mas se tornou seu sucessor e aprimorou os métodos, digamos políticos, da condução do poder da família. Uma espécie de Michael Corleone.

O final da série, pelo ritmo da narrativa, deixa claro que a segunda temporada vai tratar daquele que elevará Florença a condição de capital do Renascimento, Lorenzo “O Magnifico”, bisneto de Giovanni, filho de Piero, o primogênito de Cosimo. E aí é de se supor que as semelhanças com a família Corleone vão desaparecer.

É curioso constatar que a reação da aristocracia florentina aos Medici, evidentemente graças ao poder político e econômico amealhado, se dissimula por uma oposição ao apoio da família a novas formas de arte. Mais precisamente a escultura do jovem Davi, feita por Donatello, que se pretendia símbolo da nova Florença. Outro ponto de reação é sobre a visão arquitetônica da perspectiva, usada nos desenhos de Bruneleschi, a soldo dos Medici, para construir a cúpula da Basílica de Santa Maria de Fiore.

Qualquer semelhança com os tempos atuais, seguramente não é mera coincidência. A série vale a pena, por seus aspectos históricos, pela curiosa comparação entre os Medici e os Corleone e pela extraordinária interpretação de Richard Madden (Cosimo) e Anabel Sholey (Contessina). Também me chamou a atenção um personagem que claramente não existiu, Marco Bello, uma espécie de Titus Pullus do Renascimento.